ESCUDOS E BRAZÕES
Cobra, Rubem Q. - Genealogia: a história da sua família. COBRA.PAGES, www.nom.br, Internet, Brasília, 2001.

     O entendimento do papel fundamental da genealogia é dificultado pela tendência da maioria das pessoas a achar que somente a família que se liga à nobreza européia merece estudo. Isto subverte a pesquisa; leva o indivíduo a procurar primeiro o seu sobrenome entre as famílias nobres, a copiar brasões e enlear-se num sonho de fidalguia sem conhecer primeiro sequer quem foi seu avô. O estudo da origem da família deve ser despido de qualquer preconceito, idéia pré-concebida, excesso de imaginação, etc.. Deve ater-se aos documentos, e lembrar-se a pessoa de que mesmo entre as famílias nobres existem vários ramos diferentes com o mesmo sobrenome, e um sobrenome nobre pode aparecer em quem não é.


    Reproduzo a seguir texto contido na apostila do 2º curso sobre “Imigração Italiana para o Estado de São Paulo: dados históricos e pesquisa genealógica”, ministrado por Virginio Mantesso Neto, em julho de 2005, no Memorial do Imigrante, São Paulo-SP.

    Esse é um tema muito controverso, e de difícil discussão, porque é muito emotivo. Muitas pessoas sonham em descobrir o “escudo da família”, ou o “brasão da família”. Como já explicado, este curso é para iniciantes, e trata dos casos mais comuns, das situações mais freqüentes entre os imigrantes italianos. Aí não há muita discussão: a maioria absoluta dos imigrantes veio para escapar à miséria extrema, para realmente evitar a morte causada por fatores diretamente correlacionáveis à sua condição de pobreza.

    Escudos, brazões, nobreza, eram inexistentes para esses nossos valentes antepassados. A mobilidade social praticamente inexistia, e a pobreza sem dúvida era uma presença nessas famílias há séculos.

    Para ser feito com seriedade, o próprio uso desses elementos está sujeito a determinações bastante rigorosas, que podem ser pesquisadas pelos interessados. Para dizer o mínimo, passa muito longe da simples coincidência de sobrenome.

    Houve pessoas que vieram da Itália para o Brasil em condições previlegiadas, com instrução, bens deixados na Itália, dinheiro, até títulos de nobreza; esse curso, porém, não trata desses casos, trata do imigrante pobre, mas, no meu entender, um pequeno herói.

    Para diminuir um pouco a aura que cobre esse tema, reproduzo abaixo 2 artigos de jornal publicados há mais de 50 anos, mantida a grafia original.

FLORENÇA UMA NOVA FÁBRICA DE ARISTOCRATAS

    Títulos de nobreza vendidos a prestações

    (por Toledo Machado, no diário “ Ultima Hora ”, de 3-XI-1952)

    “A Itália sempre foi pródiga em títulos de nobreza, em nomes pomposos e ufanistas. É um traço psicológico do italiano de que Mussolini soube aproveitar-se com habilidades. Nasce do instinto da opereta bastante acentuado, inclusive no César do ‘Baile de Máscaras'.”

    Mas, hoje são poucos aqueles descendentes de italianos que podem dar-se ao luxo de despender grandes somas para a aquisição de um título que prove para os ranzinzas paulistas de 400 anos que seus antepassados nunca conheceram a baixa Itália.

     O Centro de Pesquisas Históricas, Heráldicas e Genealógicas, de Firenze (Burgo Albizi, 26 – Caixa Postal 413, Itália) cujo diretor-presidente é o conde Ildebrando Coccia, o dono de uma Pontifícia Cruz de Ouro Lateranense e Vicenzo Giaberti – o “Primatum da Itália”, imitando o sistema de vendas da nossa rua José Paulino, resolveu vender títulos de nobreza a prestação.

    Se você leitor é italiano ou descendente e possui alguns bens é possível que receba uma longa carta em que se lê: “Ó generoso concidadão, que tantos anos atrás partiste adolescente desta maravilhosa Itália, que, no trabalho, no sacrifício, nas afirmações e nas vitórias nunca esquecestes! A você também, amigo distante a quem com paterna solidariedade me volto sentidamente, não tenho dúvida de seu amor profundo para com a terra de seus pais e sei que bem alto você mantem o orgulho de vosso nome, que mais sagrado do que uma bandeira e do que a honra a ergue sempre mais alto. É a história do seu nome e de seus brazões que desejo narrar, pois, nesta nossa Itália de luminosas tradições multi-seculares cada nome é uma história”.

“TUTTI” NOBRE

    A carta acompanhada de um prospecto não especifica preço, mas adianta que são módicos e com facilidades de pagamento. O “concidadão”, sofre dois processos para atingir o grau sublime da nobreza, ratificada por uma comenda, título de duque ou de conde.

    Em primeiro lugar êle preenche um questionário sobre os antecedentes familiares e envia junto com um dolar. Depois, então, vem sempre a constatação da origem nobre da família e o título custa centenas de vezes um dolar.

    Assim, se você por acaso se chama Colombatti, o prospecto adianta, que o emblema é de prata com um leão vermelho e que, portanto, tem uma ascendência nobre podendo reivindicar títulos.

    Os Galanti têm direito de acôrdo com a “fábrica” de Firenze, de um título de conde, pois, “foram personagens que mereceram particular distinção, recordando-se Fabricio Galanti, da Calabria, e Francesco, valente médico que publicou um tratado em 1796” .

    Aviso: São nobres ainda todos os Buoni, Sintra, Ordano, Pallavocino, Benetto, Nuzzi, e sobrenomes com afinidades gráficas com os citados.

MANOBRAS ESCUSAS DOS VENDEDORES DE CONDECORAÇÕES

    (Do diário “Última Hora”, de São Paulo, 13-XI-1952)

    Encontrado em São Paulo magnífico centro de difusão do rendoso negócio, segundo revelações emanadas das próprias autoridades italianas. – Previstas em lei medidas punitivas para os que ostentam honorificências proibidas. – Recente sentença do Tribunal de Florença contra 4 mercadores de distinções, condenando-os a quase dois anos de prisão.

    O próprio governo italiano está abrindo os olhos de todo o mundo para o que se considera uma grande manobra escusa: o comércio de condecorações com exploração ilícita de tradicionais honorificências da península itálica. A atitude do executivo daquela nação amiga, deve-se ao fato de a Itália ter sido o berço desse negócio, até certo ponto singular e curioso, mas que se reveste de características absolutamente despresíveis. Para o livre desenvolvimento do mercado de condecorações, que assumiu índice assustador, particularmente depois da guerra, fundaram-se organizações com fachada histórica, muito bem habilitadas ao ludibrio dos incautos.

EXTENSÃO DO NEGÓCIO ATÉ SÃO PAULO

    Consoante revelações emanadas das próprias autoridades italianas, os exploradores de honorificências estenderam seus negócios até a América do Sul, “encontrando em São Paulo magnífico centro de difusão do negócio”, para o que foi adotado um sistema de correspondência através do qual seriam feitos pedidos de condecorações com prévia remessa de dinheiro....Daí, a grande oportunidade da advertência, aos povos do mundo inteiro, do governo italiano, contra as muito bem engendradas operações comerciais e por todos os motivos ilícitas.

MEDIDAS PUNITIVAS

    A declaração oficial do governo italiano resulta de que as únicas distinções permitidas na Itália, são, além da Ordem da Solidariedade Nacional em três graus, as da Santa Sé, da Ordem Equestre, Santo Sepulcro e as da Soberana Ordem de Malta. Fora dessas ordens, todas as condecorações são consideradas abusivas e não admitidas, não podendo ser usadas em território italiano e os que as ostentam estão sujeitos a punições. Medidas outras de caráter repressivo, ainda mais drásticas, são previstas para os elementos reconhecidamente integrados no comércio de condecorações. Sabe-se, a propósito, que um artigo da lei dispõe sobre penas aos contraventores, além de um processo penal previsto pelo artigo 36 do código em vigor.

CONDENADOS A QUASE 2 ANOS DE PRISÃO

    Da advertência do governo italiano consta o registro de que, com recente sentença, o Tribunal de Florença condenou a um ano e oito meses de reclusão, por comércio abusivo de condecorações, o Sr. Caprotti Ernesto Diomede, que se intitulava Super-Intendente Geral e Grão-Mestre da Ordem de São Humberto de Lorena. A mesma sorte tiveram três cúmplices desse mercador de honorificência.